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terça-feira, 23 de setembro de 2014

14. A DATAÇÃO DA PINTURA


O facto de os Painéis terem sido pintados alguns anos após os acontecimentos retratados obrigou o pintor, para as personagens entretanto falecidas, a efectuar retratos a partir de outros existentes ou a recorrer à memória das pessoas ainda vivas. Por isso é bastante provável que essas figuras apareçam com uma idade que não corresponda à que tinham quando se deram esses factos. No entanto nunca poderão ser representadas com uma idade superior à que teriam no momento da sua morte.

Por outro lado, e para as figuras ainda vivas aquando da realização da pintura, admite-se que estejam retratadas com a idade desse momento e não com a que tinham na altura dos acontecimentos representados. Não é aceitável, obviamente, que uma determinada figura então viva fosse representada com uma idade superior.


Serão estas últimas, e obtidas as identificações correctas, que nos poderão auxiliar a situar o período em que os Painéis foram executados.

No quadro seguinte listamos as personagens dos Painéis para as quais propusemos uma identificação. A coluna “Vida” mostra a data de nascimento e de falecimento de cada uma. A coluna “1439” exibe a idade dos intervenientes nos acontecimentos que culminaram nas cortes de Lisboa que levaram o infante D. Pedro à regência e que já não estavam vivos em 1449. Quanto à coluna “1449” mostram-se as idades das figuras que estiveram presentes em Alfarrobeira. As idades das personagens vivas no momento da execução da pintura são ilustradas pela coluna “1464-67”. Finalmente a coluna “Morte” indica as idades que as outras individualidades tinham no momento de falecimento e que não estiveram envolvidas directamente nos acontecimentos atrás referidos.

Como se pode verificar, as idades das personagens que estão referenciadas nas quatro colunas são perfeitamente compatíveis com as nossas propostas de identificação. A coluna “1464-1467”, que é a mais importante para a datação dos Painéis, é assim validada não só pela idade das figuras dessa coluna mas também pelas interacções existentes entre estas e todas as restantes que foram identificadas.
Observe-se como o pintor nos indica, através das mãos postas em oração e da cor roxa, que algumas personagens já estavam falecidas no momento da execução da pintura.
De acordo com este princípio vejamos as personagens para as quais propusemos uma identificação: com as mãos postas (D. Jaime, D. Afonso Nogueira e D. Estêvão Aguiar); com uma peça de cor roxa (Infante D. Pedro, D. Álvaro Vaz de Almada, Infante D. João e rainha D. Isabel).
Fora desta regra ficaram: Infante D. Fernando, Pêro de Serpa, Dr. Diogo Afonso Mangancha e Lopo Fernandes.
As excepções à regra foram: D. Afonso V (vivo, mas com mangas roxas como sinal da dor e tristeza que sentia pela sua esposa) e Frei João Álvares (vivo de mãos postas, mas assumindo uma posição de veneração perante a imagem o seu amo).



 

  Personagem
 

Vida

1439

1449

1464-67

Morte

Infante D. Pedro

1392-1449

-

57

-

-

D. Isabel, duquesa Borgonha

1397-1471

-

-

67-70

-

D. Álvaro Vaz de Almada

c. 1390-1449

-

59

-

-

D. Jaime

1434-1459

-

15

-

-

Infante D. João

1400-1442

39

-

-

-

D. Pedro, condestável

1429-1466

-

-

35-37

-

D. Afonso Nogueira

c. 1399-1464

-

-

-

65

Dr. Diogo Afonso Mangancha [1]

? 1377 -1447

62

-

-

-

Lopo Fernandes[2]

?

?

-

-

-

D. Estêvão Aguiar

c. 1400-1446

39

-

-

-

Pêro de Serpa[3]

?

60

-

-

-

Jean Juffroy

c. 1412-1473

-

-

52-55

-

D. Isabel, rainha

1432-1455

-

-

-

23

D. Afonso V

1432-1481

-

-

32-35

-

D. João, príncipe herdeiro

1455-1495

-

-

9-12

-

D. Fernando, Infante Santo

1402-1437

-

-

-

35

Frei João Alvares

c. 1405-1490

-

-

59-62

-

Outro processo utilizado para datar uma pintura consiste na análise dendrocronológica das madeiras sobre as quais foi executada. Este método indica apenas uma data a partir da qual foi possível executar a obra, mas que nada nos diz sobre o momento efectivo dessa pintura.

Este tema foi introduzido no debate dos Painéis na obra “Os Painéis de Nuno Gonçalves”[4] que se socorreu do estudo efectuado pelo professor Peter Klein da universidade de Hamburgo em 2001, a convite do Instituto Português de Conservação e Restauro (IPCR) e contando com a colaboração com da técnica Lilia Esteves.

Os autores daquela obra defendem que os Painéis são datados do ano de 1445, baseando-se não só naquele estudo, mas também na leitura que fizeram dos símbolos existentes no botim do jovem do painel do Infante, onde vislumbram a assinatura do pintor e a data de conclusão da pintura.

Os resultados daquele estudo foram os seguintes de acordo com uma publicação do IPCR[5]:
  • Data mínima possível para o início da pintura: 1432(F), 1442(P), 1434(I), 1442(A), 1442(C), 1435(R)
  • Data média (mais provável) para o início da pintura: 1438(F), 1448(P), 1440(I), 1448(A), 1448(C), 1441(R)[6]
 
Esta publicação apresenta igualmente resultados de análises dendrocronológicas efectuadas a cerca de seis dezenas de pinturas dos séculos XV e XVI, entre as quais se encontra o “Tríptico do Infante Santo”[7]. Esta obra terá sido mandada pintar pelo infante D. Henrique por volta de 1451-52 para ser colocada junto do túmulo do seu irmão D. Fernando, onde tinham sido depositadas as relíquias resgatadas em Fez no ano de 1451.

Destacamos esta obra porque o resultado obtido por aquelas análises foi:
  • Data mínima possível para o início da pintura: 1407
  • Data média (mais provável) para o início da pintura: 1413

Isto é, existe uma diferença de quarenta anos entre a data em que a pintura poderia ter ser realizada e aquela em que efectivamente foi executada.

A título de exemplo podem-se acrescentar ainda os exames efectuados a três obras que estão seguramente datadas: “Anunciação” de Frei Carlos (1523); “Pentecostes” de Escola Portuguesa (1537) e “S. Jerónimo” de Albrecht Dürer (1521), cujos resultados alcançados foram respectivamente:
  • Data mínima possível para o início da pintura: 1513; 1523; 1500
  • Data média (mais provável) para o início da pintura: 1519; 1529; 1506

Obtêm-se assim intervalos de 4, 8 e 16 anos, respectivamente, compreendidos entre o ano em que estas obras poderiam ter sido pintadas e aquele em que foram terminadas.

Estes quatro exemplos, suportados por datas fiáveis de conclusão de pinturas, permitem sustentar e não contrariar a nossa hipótese, dado que o intervalo que medeia a “data média (mais provável) para o início da pintura” (1448, obtida pelo estudo atrás referido) e a nossa proposta para a data de execução dos Painéis (1464-67), é de 16 anos.





[1] Data de nascimento estimada atendendo a que em “Março de 1427 já era escolar em Leis e Juiz dos feitos de D. João I” in MARQUES, Humberto Baquero - Op. cit.,  Vol. I.,pág. 38
[2] PINA, Rui de - Op. cit., Vol I, pág. 68: “Homem velho”
[3] Ver capítulo “O regente e os seus apoiantes”
[4] ALMEIDA, Jorge Filipe de Almeida e ALBUQUERQUE, Maria Manuel Barroso de, Lisboa,, 2003, págs. 41-44
[5] ESTEVES, Lilia, A Dendrocronologia Aplicada às Obras de Arte, D.E.M., Agosto 2003, págs. 9-10
[6] As letras representam as inicias dos nomes pelos quais os painéis são habitualmente conhecidos.
[7] ESTEVES, Lilia, - Op. cit., pág.. 12